Qual pode ser a experiência de um homem de saúde frágil diante da brutalidade cotidiana da frente de batalha? E se esse homem for também um intelectual profundamente católico e pacifista, mas a serviço do exército de Adolf Hitler? São perguntas que encontram respostas nos escritos que integram Às vezes dá vontade de chorar feito criança – Os diários de guerra 1943-1945, volume que se estrutura em torno das anotações abreviadas feitas por Heinrich Böll em trincheiras e hospitais enquanto cumpria seu dever militar nos fronts da Europa. A tradução é de Maria Aparecida Barbosa. Os diários se tornaram livro – publicado em 2017 na Alemanha – graças ao trabalho de organização do filho do escritor, René Böll, autor do prefácio e do posfácio da edição. Ele recebeu as cadernetas do pai, pouco antes de sua morte, não para que fossem publicadas, mas para que pudessem se converter em fontes de pesquisa. A família, contudo, percebeu uma oportunidade que talvez tivesse escapado a Heinrich Böll. “Queríamos preservar esses diários como um documento para a posteridade, torná-los disponíveis num mundo ainda dominado por guerras”, justifica René no prefácio. A experiência de Böll muitas vezes incorpora atividades da vida civil, como ler livros e ir ao cinema, ou construir amizades com outros soldados, em rodas de bebida e tabaco. O usual na rotina cruel da guerra, no entanto, é sentir uma fome devastadora, ter o sangue sugado impiedosamente por piolhos, ser atingido por estilhaços e sofrer dores incessantes. Pior ainda são as aflições da mente e do coração, nas invocações frequentes a Deus e nas manifestações de saudade alucinante da esposa, Annemarie. As anotações nos diários às vezes parecem poemas trágicos, como essa de 20 de novembro de 1943: “A noite terrivelmente/fria e miserável/no front cavando trincheira//De manhã bombardeio,/o pior até agora/o ‘órgão de Stálin’”. Böll sentiu na pele as duras transformações da Alemanha no século xx. Nascido em Colônia, foi convocado para o Exército em 1938. De volta a sua cidade depois da guerra, começou a publicar regularmente a partir de 1947. Retrato de grupo com uma dama (1971), um panorama da Alemanha da Segunda Guerra até os anos 1970, foi citado como o livro que coroou sua carreira no texto que justificou seu prêmio Nobel. O romance mais conhecido do escritor, A honra perdida de Katharina Blum (1974), saiu pela CARAMBAIA. Ao lado de Günter Grass (Nobel de literatura de 1999), Böll é tido como um dos grandes nomes da literatura alemã do pós-guerra. Ambos publicaram seus primeiros livros entre o fim dos anos 1940 e início dos 1950, em reação à produção literária da época, marcada por certa condescendência com o passado nazista. As obras da nova leva de escritores abrangiam desde a sobrevivência das ruínas do pós-guerra até o acompanhamento gradual do “milagre” econômico do período de reconstrução do país, com todas as suas mudanças de valores e crises morais. Böll, em particular, adotou uma abordagem e um estilo realistas, ainda que embebidos de ironia. Com Grass e outros nomes respeitados, como Martin Walser e Hans Magnus Enzensberger, integrou o Grupo 47, uma associação de escritores que decidiram lutar por uma sociedade pacífica, democrática, socialmente justa e guardiã da liberdade de expressão.
Peso: | 1.335 g. |
Páginas: | 336 |
ISBN: | 9788569002895 |
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